sábado, 31 de maio de 2008

Trigésima Chuva

A claridade das palavras, nunca irá subjugar as sombras do medo. Não importa o que seja dito, o que seja feito, o medo tende a existir. Sem coragem, sem convicção no que queres, sem fazer as coisas acreditando que aquilo lhe fará feliz, não adiantarão palavras, atos.

O medo é lugar comum a todos. O tamanho do medo não é proporcional ao obstáculo e sim a sua vontade de vencé-lo.

A alegria, na forma de realização pessoal, não depende da queda do obstáculo e sim do quanto você sabe que tentou. Do quanto você fez aquilo valer a pena, mesmo sentido dor. Palavras, atitudes, sem vontade de querer vencer, nada mais são que tentativas ao acaso. É esperar que seu medo vá embora, porque achas que estás vendo o que precisa.

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Trinta dias. Já fazem trinta dias que a mesma intensa chuva cai sobre nós. Tudo está tão úmido, molhado, impregnado de um sentimento de descaso. A tristeza que nos abalou nos primeiros dez dias de chuva agora se acomodou. Em repentinos devaneios, imagino que não saberia mais viver sem esta chuva, ela já faz parte de um cotidiano que me faz refém dentro de minha própria casa.

No reflexo da janela, meus olhos acompanham a água que corre na calçada, que leva lixo correnteza abaixo, que leva minha esperança de voltar a ver o Sol. Muitos dias já se passaram desde que começei a passar minhas tardes sentado à janela, olhando as gotas caírem, na expectativa de por trás daquelas densas nuvens cinzas, nascer um raio de Sol, e por mais clichê que possa parecer, voltar a escutar os passarinhos que tanto odiei que cantessem na minha janela, me acordando assim todas as manhãs.

Trinta dias sem claridade. Trinta dias de pura solidão doméstica.

Tenho tudo o que preciso aqui dentro, mas mesmo assim, não é o suficiente. Lembro-me do último dia de Sol, quando voltava para casa feliz, com todas as compras que precisaria durante um mês, parecia que advinhava a tormenta que se aproximava no horizonte não mais tão distante.

Nunca mais saí. Não tenho coragem, as coisas que tenho aqui comigo são no momento tudo o que importa, não quero mais nada. Na verdade melhor agora do que quando havia Sol, quando eu tinha de sair de casa e encarar tudo o que desgosto com um sorriso estampado desbotado, com ar de falsa realização.

Alguém chegou. Não vejo ninguém nas ruas fazem, brincando, uns quinze dias. Nem animais, nem carros, uma quinzena de vida para a cidade fantasma dos ilhados. Porque agora surge alguém à minha porta? Logo na minha. Pode ser alguém precisando de ajuda, porque eu tenho tudo o que preciso e nem pedi socorro. Não queria sair da minha janela, gosto da minha visão da enxurrada levando tudo consigo sem piedade. Quem será?

Deve estar apressada ou com muito medo, pois não para de bater. Não sei onde estão as chaves, são trinta dias que não abro a porta. Porque ela não se acalma, já estou chegando.

Porquê?

Porque, estaria em frente a minha casa uma mulher, com um belo sorriso, como se fosse o dia mais bonito do ano, com um guarda chuva aberto para ela e oferecendo outro guarda chuva ainda fechado para mim.

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