sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Chuva das três

Chuva de verão na quarta feira de cinzas. Tipicamente belenense. Andando sozinho com as lojas fechadas e os poucos injustiçados trabalhadores convocados, em suas portas, esperando o horário de abri-lás. Caminhando por entre eles, mas nunca no meio, se encontra um outro belenense, voltando de seu trabalho. Outra vítima do mercado atual. Roupas salpicadas pelos primeiros pingos da chuva que se aproximava. Ele estava ali caminhando tranquilamente, mas sua cabeça não estava ali. Na verdade não estava em lugar nenhum. Caminhava pelo simples ato de caminhar. Apenas vontade de voltar a dormir.

Sentia-se vazio. Não era uma sensação de tristeza, na verdade, estava deveras feliz com os últimos acontecimentos. Tudo corria bem na sua vida profissional e na pessoal não existiam problemas. Mas ainda faltava algo. E este faltar estava criando um vazio equivalente a um buraco negro. Onde não exsitia som nem cor e se ficasse ali acabaria por sugar tudo.

Não lhe faltava amor nem paixão, é certo que no momento estava só, sem uma companheira, mas isto não era um problema para ele, que sempre foi muito individual, nunca individualista. Gostava de estar só, mas sentia falta de algo, não da rotina, nem dos problemas, talvez de alguns deles, principlamente aqueles que eram resolvidos com risadas. Mas não sabia o que era. Continuava a andar com a cabeça em lugar nenhum e no peito um buraco negro que não o fazia sentir nada.

As lojas começavama abrir, quando avistou uma mulher linda do outro lado da rua, a seguiu com os olhos, andavam na mesma direção, apenas em lados opostos da calçada. Ela então parou em frente a uma loja aparentemente fechada, ele se animava com a sensação de alguem mecher com ele, talvez tapar o buraco.

Quando atravessou uma pequena vila e voltou a olhar para o local de sua querida salvação, ela não estava mais lá. Seria possivel?, não tinha perdido ela nenhum momento, mas ela se fora. Agora continuava seu caminho do mesmo jeito que começou. Sem estar triste, mas também não sentia nada e sabia que o problema não era falta de amor nem paixão.

A chuva engrossava. Começou a se preucupar com as mangas que começavam a cair, algumas bem perto dele. Não se preucupou em não se molhar, afinal aqueles que vão pra casa nunca se molham. Agora mais pessoas começavam a ocupar as ruas, aos poucos iam surgindo mais andarilhos molhados. Alguns muito felizes outros nem tanto afinal era um feriado, mesmo que só até meio dia, mas todos queriam ficar em casa com seus familiares. Ele preferia andar só a estar em casa, afinal se estivesse em casa estaria só, pensando na mesmas coisas que pensava agora.

Agora que estava chegando perto de casa a chuva diminuía, se resumindo a uma pequena garoa. Passou em frente a seu antigo colégio e lembrou de como foram bons aqueles tempos. Ele era sentimental, e nunca pensara que um dia este vazio iria lhe fazer companhia, ali naquela calçada onde amou tantas, chorou tanto e se apaixonou por outras.

E como uma manga que cai em cima de um carro, teve aquele estalo que precede o baque. Sabia o que estava faltando. Sabia que o problema não era falta de amor nem de paixão, ele não estava triste. O problema era a falta de vontade de se apaixonar, não tinha ninguém que o havia tocado como ele procura. Pessoas maravilhosas já estiveram com ele, pessoas que ele sabia que iriam lhe fazer bem, mas ele não iria fazer bem para elas. Antes ele não tinha medo, se apaixonava por qualquer uma, e era feliz assim. Era um homem de paixão com coragem para encarar uma nova a cada dia, hoje ele não mais era assim. Não tinha nem vontade nem coragem para tal. Sabia que este sentimento era igual a chuva das três de Belém, sempre vinha e ia no mesmo horário, até que chegava o verão sem chuva, e ela iria embora durante um bom tempo, quando voltasse ele já estaria indo pra casa com outros pensamentos, inclusive o de que quem vai para casa não se molha.

Um comentário:

Gabriel Parente disse...

"Ele era sentimental, e nunca pensara que um dia este vazio iria lhe fazer companhia(...)"

O melhor companheiro de um solitário é a solidão.

Belo texto, low.
O efeito chuva é sensacional. :*